O evento, realizado na Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo (Findes) no dia 17 de novembro, trouxe especialistas no tema e também exemplos práticos de como se aplicar a sustentabilidade numa empresa e lucrar com ela
“O capitalismo é o modelo adotado por nossa sociedade como o ideal para gerar lucros e satisfação pessoal por meio da capacidade criativa dos seres humanos. Mas esse mesmo modelo é antropofágico, pois esgota os recursos naturais e penaliza as relações humanas para atingir seus objetivos. Precisamos, portanto, nos reinventar, adotando a sustentabilidade para tentarmos mudar para melhor esse modelo econômico predatório”. Foi com essas palavras que a jornalista e radialista da Rede Globo, apresentadora do canal National Geographic Brasil e também mestre em “Gestão e Tecnologias Ambientais”, Rosana Jatobá, iniciou sua palestra no seminário “Capitalismo sustentável: como isso pode ajudar o meu negócio”, realizado nesta quinta-feira, dia 17 de novembro, na sede da Findes, em Vitória.
“O mundo hoje não comporta mais as empresas que não sejam sustentáveis. Mas ainda precisamos trabalhar arduamente para mudar a mentalidade dos empresários neste sentido. E a sustentabilidade da empresa não passa somente pela questão ambiental, mas também pelo tratamento para com seus funcionários e a sua relação com a sociedade”, disse o presidente do Sistema Findes, Marcos Guerra, ao abrir o seminário
Uma realização do Sesi-ES e do Conselho de Responsabilidade Social da Findes (Cores), o seminário reuniu diversos especialistas no tema e também apresentou casos de sucesso de empresas que adotaram práticas sustentáveis que geraram não somente benefícios ambientais e sociais, mas também que aumentaram seus lucros. A iniciativa, de acordo com o presidente do Cores, Jefferson Cabral, deve ter continuidade com novas ações nos próximos meses, dados o sucesso de público e a repercussão do evento.
“Nos sentimos muito honrados de podermos realizar um evento como esse, com a presença de autoridades que são referência no assunto, além dos cases de sucesso. Queremos mostrar que a sustentabilidade é essencial, inclusive, para gerar lucros para, principalmente, micro, pequenos e médios empresários”, destacou o presidente do Cores, Jefferson Cabral
Desafios
“O tema sustentabilidade não é apenas conceitual. Podemos, sim, trazer exemplos de sucesso adotados por micro e pequenas empresas, pois é algo real. Na verdade, é um caminho sem volta, pois o modelo de capitalismo vigente até agora é algo que a sociedade não aceita mais”, destacou Rosana Jatobá, diante de um plenário lotado na Findes. Segundo a jornalista, houve um aumento de 80% para 96% na preocupação dos brasileiros com a sustentabilidade entre os anos de 2010 e 2014, de acordo com pesquisa do Ibope/CNI. Além disso, cerca de 76% dos brasileiros optariam pelo consumo de produtos ligados à sustentabilidade (pesquisa do Ministério do Meio Ambiente).
Rosana Jatobá, jornalista e mestre em Gestão e Tecnologias Ambientais
“Contudo, o Brasil ainda ocupa um modesto 45º lugar no ranking mundial de sustentabilidade, logo à frente da Venezuela, um país bem menos desenvolvido que o nosso”, ponderou a jornalista. Por meio de dados comprovados por diversas pesquisas, Rosana Jatobá demonstrou que a sustentabilidade ainda é um tema complexo, e muitas vezes utilizado por grandes empresas mais como gestão de imagem do que como atitudes práticas. “A sustentabilidade é, ainda, algo complexo e que representa custos altos para ser aplicada em empresas de micro, pequeno e médio porte. Mas os seus benefícios diretos são evidentes e essenciais para os anseios da sociedade atual. O desafio é grande, mas o empresário que adotar as práticas sustentáveis sabe que estará fazendo parte de algo que não tem mais volta”, concluiu a palestrante.
Jogos Olímpicos
Em seguida, foram mostrados os casos de sucesso na adoção de práticas sustentáveis no Brasil. A responsável pela estratégia em sustentabilidade da rede de suprimentos dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, Fernanda Lima, apresentou diversos exemplos bem-sucedidos adotados na maior competição esportiva mundial.
Fernanda Lima, responsável pela estratégia em sustentabilidade da rede de suprimentos dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016
“Conseguimos aplicar a sustentabilidade em toda a cadeia de suprimentos dos Jogos. E foi um trabalho bastante árduo e complexo, pois lidamos com quase três mil fornecedores dos mais diversos segmentos”, disse Fernanda. “Em muitos casos, a empresa escolhida inicialmente por oferecer o menor preço não atendia às normas sustentáveis. Porém, não descartávamos esta empresa. Pelo contrário, orientávamos para que ela buscasse as certificações sustentáveis necessárias para atender aos Jogos. E, para podermos qualificar essas empresas, contamos com a parceria de entidades como Firjan, CNI e Sebrae, o que resultou na elaboração de guias para 18 segmentos específicos e diversos workshop’s que mostraram aos empresários como se adequarem às exigências”, completou.
Atender aos requisitos sustentáveis exigidos pelos Jogos Olímpicos e Paralímpicos abriu muitas portas para as empresas certificadas, como exemplificou Fernanda Lima. “Podemos citar o exemplo de um microempreendedor que foi escolhido para ser fornecedor do setor moveleiro. Sua empresa, antes de ser escolhida, tinha apenas 10 funcionários e não atendia a diversas normas sustentáveis exigidas, como o uso de materiais reciclados e de madeira certificada. Contudo, após atender às exigências, automaticamente ela atraiu novos clientes e, hoje, comercializa seus produtos para todo o Brasil e mesmo para fora do país, inclusive saindo da categoria ‘micro’ para ‘média empresa’”, mostrou Fernanda.
Sustentabilidade na construção civil
Já o presidente do Sindicato das Indústrias Cerâmicas para a Construção e de Olaria do Estado do Rio de Janeiro – Sindicer-RJ, Luís Carlos Barbosa Lima, apresentou os casos de sucesso em sustentabilidade no seu setor, não sem antes ressaltar a importância do associativismo. “Como sou um empresário de pequeno porte, posso afirmar categoricamente que nenhuma pequena ou média empresa sobrevive sem o associativismo. Para ter acesso aos editais de inovação e demais incentivos ligados à sustentabilidade, é necessário estar associado. Além disso, as associações, federações e demais entidades de classe buscam, a todo momento, ajudar os empresários na adoção de práticas sustentáveis com o intuito de aumentar a competitividade das empresas por elas representadas”, ressaltou Lima.
Luis Carlos Barbosa Lima, presidente do Sindicer-RJ
Dentre diversos casos de práticas sustentáveis aplicadas na cadeia da construção civil, o presidente do Sindicer-RJ alertou para um exemplo a não ser seguido: o do programa Minha Casa, Minha Vida. “Infelizmente, foi desperdiçada aquela que teria sido a maior chance de se aplicar a sustentabilidade em larga escala na construção civil brasileira com este programa, pois as obras foram aceleradas visando a influenciar o resultado das eleições de 2014 e o efeito foi desastroso, com o uso de materiais de baixa qualidade e que tornavam os imóveis verdadeiros fornos de tão quentes, fora o alto grau de ruído, por conta do péssimo revestimento usado. É importante frisar que a construção civil brasileira se utiliza de materiais que já são sustentáveis. Fora que o setor está sempre se atualizando com novos produtos reciclados ou recicláveis. Ou seja, a sustentabilidade é uma realidade há tempos em nosso setor”, frisou Luis Carlos.
Confecção sustentável
A empresária Nelci Layola Porto, proprietária da Lucitex Confecções, especializada em moda íntima e sediada no polo de confecções de Nova Friburgo (RJ), um dos maiores do país, mostrou em sua palestra como a adoção da sustentabilidade em todos os níveis e processos de sua empresa promoveu um crescimento impressionante em seu negócio. “Tudo começou com o endurecimento da legislação ambiental do município que, com toda a razão, apertou o cerco contra a geração de resíduos sólidos por parte das empresas do setor. Como o polo concentra cerca de 2.300 empresas, isso se tornou uma questão ambiental grave a ser administrada, pois os aterros municipais não estavam mais dando conta desses resíduos gerados pela indústria de confecção”, afirmou Layola.
Nelci Layola Porto, proprietária da Lucitex Confecções
Diante das exigências ambientais da Prefeitura de Nova Friburgo, a empresária buscou se informar sobre projetos e financiamentos no intuito de buscar uma solução para o problema. “Em 2012, nos inscrevemos no Edital Senai Sesi de Inovação. Acabamos sendo contemplados com esse edital e pudemos desenvolver um modelo sustentável de produção que envolvesse toda a empresa, indo desde a criação das peças à gestão dos resíduos sólidos, contando com a participação de absolutamente todos os funcionários”, explicou Nelci.
“Os resultados foram notáveis! Além da reutilização de materiais em nossa própria produção, acabamos ajudando a desenvolver outro setor, o de reciclagem dos resíduos sólidos. Além disso, trabalhamos muito a questão da satisfação pessoal de nossos funcionários. Nossa empresa ganhou status diferenciado no mercado. Com isso, atingimos o limite de nossa produção, tendo toda a nossa capacidade comprometida com os clientes para até maio de 2017, isso em época de crise. Chegamos ao ponto de recusarmos pedidos!”, comemorou a empresária, que ressaltou, ainda, que sua empresa saltou de 30 funcionários para os atuais 350 após o sucesso atingido pela adoção de práticas sustentáveis em seu negócio.
O sucesso do negócio de Nelci não se resumiu à sua confecção. Em parceria com outras empresas e com a Firjan, foi elaborado o Protocolo de Gestão Responsável dos Resíduos da Indústria de Confecção, resultante dessa iniciativa desenvolvida no Edital, e atualmente disponível para download gratuito no endereço: www.firjan.org.br/espacomoda.
Reciclagem em todos os níveis
Trabalhar com reciclagem é o negócio do empresário capixaba Romário de Araújo, também presidente do Sindicato das Empresas de Reciclagem do Estado do Espírito Santo (Sindirecicle-ES). Ou seja, sua empresa já lida diretamente com a sustentabilidade. Contudo, Romário foi além e mostrou em sua apresentação no seminário que a adoção do reuso de água promoveu uma verdadeira revolução financeira em sua empresa. “Primeiramente, criamos um sistema de calhas que canalizava a água da chuva para pequenos reservatórios que atendiam a demandas pontuais dentro da empresa”, explicou o empresário. “Mas tudo mudou quando implementamos um sistema mais complexo nesse sentido”, completou.
Romário de Araújo, presidente do Sindirecicle-ES
“Nós não adotamos a sustentabilidade porque ela era ‘bonitinha’, mas sim para garantir a sobrevida de nosso negócio, pois o processo de reciclagem envolve grande quantidade de água”, ressaltou Romário de Araújo. “Construímos uma cisterna com a capacidade de coletar 630 mil litros de água da chuva – cinco dias de chuva seguidos enchem por completo o reservatório. Em seguida, vimos a necessidade de criarmos um sistema de tratamento dessa água para uso em nossa empresa, com a capacidade de processar cerca de 25 mil litros/hora. Investimos cerca de R$ 150 mil nesse sistema. O retorno desse investimento veio em apenas um ano”, disse o empresário.
Traduzindo em números, os resultados do investimento em coleta, tratamento e reuso de água na empresa de Romário foram impressionantes: a empresa reduziu o custo anual de R$ 176.774,40 (novembro/2015) com o consumo de água para R$ 8.844,00 (novembro/2016) – queda de 94,9% na conta de água. Mensalmente, a empresa deixou de pagar uma conta de R$ 14.731,40 para ter uma despesa de R$ 737,00 com a conta de água.
O secretário de Estado de Desenvolvimento, José Eduardo Faria de Azevedo, também prestigiou o evento
Ao final do seminário, a jornalista Rosana Jatobá mediou um debate entre os palestrantes e com a participação do público presente.
Por Fabio Martins